Take Me To Zabriskie Point: recortes da contracultura.

Anos 60, década de conflitos. No Vietnã, guerra civil transformou-se em conflito de visibilidade internacional, como a alegoria para a rivalidade entre o Primeiro Mundo e o Segundo Mundo – e com muitos interesses econômicos sob o véu. Na Europa, estudantes revoltam-se contra seus pais, contra seus professores e contra seus governantes. Sonham, planejam e agem. A nova geração havia decidido que não esperaria mudanças, as faria acontecer, e trazia consigo liberação sexual – abandonando tradições, conceitos e preconceitos datados – além de drogas e muita luta, e mais drogas. Nos EUA, a intervenção do país no Vietnã divide os cidadãos. Guerra e paz, amor e violência, alienação e liberdade. As linhas divisórias tornavam-se cada vez mais tênues.

Todas as expressões culturais foram afetadas por essa juventude ativa. Na música, o rock transformou-se numa fábrica, ou, para evitar o termo que eles decerto considerariam pejorativo, uma manufatura de hinos de revolta. Neste mesmo período, no cinema, eclodiam as Novas Ondas, inspiradas e impulsionadas pelo neorrealismo italiano. Enquanto a de maior visibilidade foi a Nouvelle Vague, na França, outros polos cinematográficos também contestavam suas tradições de produção: no Reino Unido, surgiram o Free Cinema e sua própria New Wave; na Alemanha, 26 jovens cineastas instituíam o Novo Cinema Alemão; nos Estados Unidos, os antigos chefes de estúdio e sua política de produção perdiam espaço para jovens cineastas e toda uma ideia de cinema de Arte, ideologias e verdade, o que mais tarde seria chamado de Nova Hollywood; e ainda, no Brasil, nascia o Cinema Novo.

The Loneliness Of A Long Distance Runner, um filme de 1962, dirigido por Tony Richardson (um dos maiores nomes da época no cinema britânico), é tanto um retrato como um prelúdio de tudo o que viria a eclodir no Primeiro Mundo nesta década. Na Inglaterra, os jovens já causavam reboliço com o Swinging London, em que uma série de tradições culturais, da moda à música, foram questionadas. Este longa-metragem sobre um jovem rebelde que é levado a um reformatório traz toda a agressividade latente da juventude, e a urgência das reivindicações que viriam a ser feitas. Ainda, seu apelo à não-violência vem acompanhado de um presságio terrível, como que a violência dos conflitos vindouros fosse inevitável.

Sua acidez é perceptível ao que contrapõe gerações em suas percepções acerca de um discurso político, mas algo ainda mais notável é sua comparação de um colégio com um reformatório, uma evidente crítica ao sistema educacional britânico, o que seria retomado em '68 no filme de Lindsay Anderson, If....

No ano de 1968, na França, eclodiram greves universitárias que geraram uma revolta massiva da juventude contra o tradicional e o conservadorismo, contra os governos insatisfatórios e sociedades injustas. O filme de Anderson traz exatamente esta explosão. O longa-metragem põe seu protagonista, Mick (interpretado por um jovem Malcom McDowell) na posição do típico jovem sessentista: um homem com desejo de mudança. O filme alegórico e único (diferente das correntes mais naturalistas que se instalaram no cinema britânico) vem com ferozes ataques à Igreja, às tradições e às gerações anteriores. Diferentemente da conclusão do filme de Richardson, If... já traz consequências mais violentas para tanta inquietação, tanta insatisfação. A sequência final torna tudo explícito. Olhares atravessados tornam-se armas, gritos revoltosos tornam-se balas. E o conservadorismo, mesmo que na pele de uma senhora bastante idosa, não hesita em também pegar em armas para defender-se – e todos já testemunharam de alguma forma a repressão violenta que essa juventude revoltosa sofreu.

Só o que falta a If... para ser uma típica peça da contracultura sessentista é sua trilha sonora, que tem um tom clássico/ erudito, com notável presença de órgãos, o que lhe confere mais força em suas questões religiosas, históricas e sociais. Mas até mais fortemente que o cinema, a música dos anos 60 incorporou o espírito da juventude, e o espírito da época tinha um nome: rock'n'roll. A popularização do rock se deu de forma explosiva, desde iniciativas comerciais como a popular The Beatles, como outros grandes nomes da música que emergiram neste contexto: Jimi Hendrix, Janis Joplin, os Rolling Stones, dentre outros.

Desde os filmes de drive-in que exibiam jovens motoqueiros, o rock ganhou espaço nas telonas, até ser usado abertamente como trilha sonora de filmes de ficção de ampla circulação, como The Trip (Roger Corman, 1967) e Easy Rider (Dennis Hopper, 1969). O que mais tarde viria a ser uma tendência cinematográfica (até mesmo de apelo comercial), com músicos cada vez mais presentes nas telonas, começou com as trilhas sonoras da contracultura, como a banda Electric Flag – que contava com o guitarrista de Bob Dylan no álbum Highway 61 Revisited, o baterista de Hendrix na Band of Gypsys, e também com produtor e compositor de algumas músicas de Janis Joplin – no filme de Corman.

Trazendo o astro emergente Jack Nicholson (que também assina o roteiro) e a polêmica dupla-confusão, Peter Fonda e Dennis Hopper, The Trip não perde tempo em estabelecer sua linguagem: em seu cartaz de divulgação, constam os dizeres A Lovely Sort of Death, o que já explicita que a nova peça do cineasta dos filmes B de horror é uma viagem psicodélica, um filme de hippies para hippies. Lançado ao fim do Summer of Love de '67, este filme é repleto de referências e características facilmente reconhecíveis de seu contexto histórico-social, da presença das drogas e do rock aos boletins sobre a Guerra do Vietnã que se ouvem no rádio em dado momento; e ainda, a repressão policial já é ilustrada, algo que levaria os hippies a um estado de constante vigilância.

Este é um ano crítico para o cinema de contracultura, que estabelece por fim a voz da juventude. Marco do início da Nova Hollywood, 1967 conta com os lançamentos do explosivo (e inicialmente ignorado) Bonnie & Clyde (dirigido por Arthur Penn), e o sucesso The Graduate (A Primeira Noite De Um Homem, dirigido por Mike Nichols), um filme que cativou decisivamente o público jovem. Como Peter Bogdanovich uma vez afirmou sobre O Homem Que Matou O Facínora (John Ford, 1962),o filme representava o fim de John Ford, e o fim de John Ford era o fim da Era de Ouro de Hollywood. Um filme como Shadows (1959), estreia de John Cassavetes na direção, representava um risco a tudo o que os chefes de estúdio conheciam como terreno seguro, e Blow Up (Michelangelo Antonioni, 1966) sacudiu de vez todo o meio cinematográfico.

Easy Rider está na crista desta onda, pois em 1969 Peter Fonda e Dennis Hopper enterraram os velhos meios de produção: filmaram em locação, com atuações improvisadas (e sob efeito de drogas) e em alguns momentos utilizaram não-atores. Até mesmo o gênero mais poderoso da Hollywood clássica, o western, neste ano sofreu golpe decisivo: Sergio Leone lançou nos EUA (na Itália, o filme foi lançado no final de '68) seu épico Era Uma Vez No Oeste, Sam Peckimpah lançou Meu Ódio Será Tua Herança, e chegava a desconstrução mais popular do gênero, Butch Cassidy.

O longa-metragem de Hopper foi um poderoso sucesso entre os jovens americanos. Um filme de presságios, tal como Blow Up, Easy Rider traz complexos questionamentos não somente quanto às gerações anteriores, às tradições e ao convencional. Tem um caráter melancólico e até certo ponto crítico, em que mantém distância de seus personagens e das figuras da contracultura e é capaz de gerar reflexões que vão além do que pregavam os hippies.

Enquanto mostra, de forma processual, vários tipos de liberdade, Easy Rider as põe em cheque. O Capitão América interpretado por Peter Fonda tem um olhar crítico, e percebe tanto o valor de um homem que vive com sua família numa casa afastada da cidade como o perigo de alienação nos jovens hippies que se aglomeram num estabelecimento, com teatro e mímica, sexo e drogas, algo que hoje em dia pode ser visto como uma alegoria previdente do Woodstock, tal como sua excelente trilha sonora que vai de Steppenwolf – com seu hit clássico, “Born To Be Wild” – a Jimi Hendrix – com sua “If 6 Was 9”.

O ápice de Easy Rider é o famoso momento em que este mesmo Capitão América se volta para seu amigo e confessa: “we blew it”. Assemelhando-se a The Loneliness Of A Long Distance Runner, há uma noção bastante clara de todos os maus agouros que circundam a contracultura, e seu desfecho violento acaba não sendo surpresa alguma: sabemos que há algo muito errado, e que a violência será, de fato, inevitável, e de todas as partes. A repressão conservadora, a liberdade dos Hell's Angels, o massacre de Cielo Drive pela família Manson (duas semanas antes do Woodstock, celebração do amor e da paz) são alguns dos elementos que tornaram as flores em armas, o ácido em sangue.

Chega enfim ao fim a década de 60, e a contracultura está mais forte (e agressiva) que nunca, a Guerra do Vietnã, mais sangrenta, a tensão entre as gerações, a ponto de explodir. As linhas divisórias ficam cada vez mais tênues, tal como se estreita a relação entre Cinema e Música.

Os Rolling Stones tiveram sua turnê de '69 gravada, e no ano seguinte foi lançado o documentário Gimme Shelter. Ao invés de pura autopromoção, o longa-metragem constrói uma imagem intensa dos eventos do ano anterior, e do público que foi aos shows dos Stones. Extremo ao sugerir que os jovens ali estavam mais envolvidos em curtir a vida loucamente, levantando a bandeira “sexo-drogas-e-rock'n'roll”, que com as reivindicações políticas da contracultura, Gimme Shelter não se limita a documentar os shows, mas intercala as apresentações musicais com a banda, após o show, vendo na televisão notícias de violência que marcaram os eventos.

O Concerto de Altamont, grande foco do documentário, foi editado de forma a gerar tensão e drama tal como um filme ficcional. É retratado de forma trágica, em que a iniciativa gratuita (incentivada pelo Woodstock) levou a atos violentos que marcaram a década, revertendo o desfecho pretendido de uma imagem de “Paz e Amor” para “Drogas e Violência”.

O astro Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, acaba por elevar a interação cinema-rock a um novo nível no esquisito (hoje um ícone cult) Performance (Donald Cammell e Nicolas Roeg, 1970). O filme foi realizado em 1968, mas reza a lenda que os executivos da Warner, escandalizados pelo conteúdo, vetaram seu lançamento. É compreensível que após tanta desconstrução cinematográfica, nem mesmo a Warner tenha conseguido conter este filme, e com dois anos de atraso, finalmente cedeu – provavelmente aproveitando o apelo comercial de Jagger pelo lançamento de Gimme Shelter (e ele também estrelou, em 1970, Ned Kelly, de Tony Richardson) Performance traz Jagger no papel de um rockstar recluso em meio à Swinging London, que é retratada de forma psicodélica, tal como em Blow Up (Michelangelo Antonioni, 1966). Ao mesmo tempo um filme de gângster e uma representação da geração da época, Performance ficou sem força em meio a todos os seus apelos (filme de gênero, violento, com o apelo musical de Jagger e os símbolos típicos da contracultura). Potencialmente pop e ao mesmo tempo peça de vanguarda cinematográfica, Performance não agradou público ou crítica de início, mas atingiu posteriormente um status de ícone cult, ao contrário da maioria das investidas comerciais que se apropriaram da contracultura.

Essa geração começava a se dividir entre suas manifestações e seus produtos, e algumas peças cinematográficas acabaram por ser mal interpretadas. Um filme como Zabriskie Point (Michelangelo Antonioni, 1970), que critica não somente os EUA mas a própria contracultura, acabou desagradando boa parte do público. Neste longa, Antonioni eleva ao máximo o potencial de Blow Up: Zabriskie Point é alegórico, anacrônico, ácido, melancólico e crítico.

Com uma abordagem muito menos “europeia” que seu sucesso anterior, Antonioni construiu uma representação intensa da geração que movimentou a contracultura nos anos 60 e 70, se apropriando do que há de melhor no cinema desta geração: traz a crítica ácida de The Loneliness Of A Long Distance Runner, traz a alegoria despretensiosa de If..., e traz uma trilha sonora carregada de rock, mas também com um uso particular, abusando do estilo progressivo de Pink Floyd (e inclusive sua sequência final inspirou uma das músicas do indefectível The Dark Side Of The Moon). Zabriskie Point capta a melancolia, a autocrítica e as previsões agourentas de Easy Rider, e por fim – mas decerto não menos importante – , destitui-se de astros, o que lhe confere um caráter de autenticidade que põe em cheque muitas das realizações cinematográficas contraculturais anteriores.

Um filme sobre o qual pode-se dissertar, e ainda assim, não atingir sua essência, esta obra subvalorizada de Antonioni reúne com uma força avassaladora reflexões acerca da Humanidade a partir de questões atuais (em seu tempo) como a liberação sexual, revoltas estudantis, repressão policial e a própria sociedade estadunidense. Sua atordoante sequência final dá um quê de urgência, e ao mesmo tempo, confere um ar onírico aos desejos da juventude. Não importa realmente se o espectador entende Zabriskie Point como um filme típico dos anos 60-70, se o entende como uma crítica à sociedade americana, como um estudo da Humanidade ou como uma enigmática mensagem sobre nossa própria existência. Pode ser o desfecho perfeito para uma década tão conturbada, e é com certeza o desfecho perfeito para a presente reflexão.

Pode não ser nada disso. Mas pode ser o contrário.

Pode ser que tudo esteja ali. Explodindo.

Este texto coletivo tem as assinaturas de (em ordem alfabética):
Alan Campos Araújo
Angela Prysthon¹
Camille Reis
Gabriel Cardoso
Mario Augusto Rolim²
Rodrigo S. Pereira

1: Angela Prysthon é professora do Bacharelado em Cinema e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.
2: Mario Augusto é aluno do curso de Jornalismo do Centro de Artes e Comunicação da UFPE.

Reflexão: Querida (...), O Espelho e o passado.

“Passado”. Diz o dicionário que significa “o tempo que passou”, e ainda, “a vida passada”.
Passou. Perdeu-se?

Querida, Vou Comprar Cigarros E Já Volto é o quarto longa de ficção da dupla de cineastas argentinos Mariano Cóhn e Gastón Duprat. O roteiro é baseado no conto homônimo escrito por Alberto Laiseca, escritor que a dupla conheceu enquanto filmavam seu documentário experimental (em 1996) Enciclopedia, como afirma Duprat em entrevista para Cynthia García Calvo, para LatAm cinema, de Buenos Aires. Os cineastas já vinham adquirindo visibilidade por um trabalho popular e de qualidade, o que admiram em profissionais como o próprio Alberto Laiseca, além de Quentin Tarantino e George Lucas (como Duprat afirma na mesma entrevista supracitada).
O longa conta uma história de fantasia protagonizada por Ernesto (Emilio Disi) e narrada pelo próprio Laiseca. Um retorno ao passado, uma jornada dolorosa e solitária. Passado de quem? De Ernesto, de Laiseca ou da Argentina? São as dificuldades de conexão de Ernesto, seu fracasso profissional ou suas convicções – fé, ciência e política – seu estandarte nesta desventura?
Ser “tecnicamente” incapaz de modificar seu passado lança o protagonista num abismo. Suas mágoas e o rancor que nutre acabam por consumi-lo, e seu orgulho e egocentrismo são os primeiros degraus de sua ruína. Seu passado é doloroso, é um fardo. Suas memórias latejam em sua mente, suas feridas sangram (Emilio Disi consegue transmitir essas sensações apenas na construção de seu semblante. Seu olhar é de morte).
É notável o esforço que fizeram o escritor, os diretores e o roteirista, Andrés Duprat (irmão de Gastón), para analisar, expor e alfinetar a sociedade argentina. Para um expectador de outro lugar restam o enredo e as reflexões humanas, destas que transcendem as fronteiras geopolíticas. O enredo é simples, tem toques de toda sorte de gênero. As reflexões vêm nas costas de personagens, destes que de tão simples tornam-se mais complexos, aqueles que parecem com seu vizinho, com sua tia. E como a jornada ao passado a que se lança Ernesto é rica de personagens humanos, apenas humanos, não faltam reflexões ao espectador atento.

Há sempre mais passado enterrado no passado que ousamos lembrar.

Mais de um quarto de século antes, do outro lado do mundo, Andrei Tarkovsky criou O Espelho, filme enigmático – e com este adjetivo, não afirmo haver uma “resposta” – que trabalha paralelamente com passado e futuro. O próprio tempo parece fluir de forma diferente conforme mergulhamos em extratos de memórias, tão incertas como sonhos, e os sonhos, tão concretos quanto a realidade.
Uma das maiores realizações cinematográficas existentes, O Espelho não faz sentido. É absurdo e intrigante de uma forma que provavelmente nenhum cineasta que não Tarkovsky poderia conceber. Um filme “megalomaniacamente” íntimo, estratosfericamente profundo (?), deve ser revisto quantas vezes for possível.
Não há como limitar Zerkalo a uma temática, e é injusto imaginar qualquer comparação entre este e o filme da dupla Cóhn-Duprat. Enquanto o passado de Ernesto é duro e imutável, e rege sua jornada, Tarkovsky se apropria do passado e do próprio Tempo para proporcionar uma viagem introspectiva, tentadora e perigosa. Não é um homem que se expõe na tela, não são memórias de um personagem, não é a história do cineasta.
Há todo um Homem ali, passando, e que Tarkovsky não deixa que se perca.

(Gabriel Cardoso e Rodrigo S. Pereira)

Umberto D., Vittorio De Sica, 1952




Parceria entre Vittorio De Sica e Cesare Zavattini, diretor e roteirista respectivamente, dupla responsável por filmes neorrealistas como “Ladrões de Bicicletas” e “Vítimas da tormenta”, Umberto D é outro destaque da dupla. A história é simples e comovente: Um burocrata aposentado, junto com seu cão, luta para sobreviver e pagar suas contas numa Itália devastada economicamente. Umberto é constantemente ameaçado de despejo por sua senhoria, ele mal consegue manter seu quartinho alugado, sua única ajuda vem de uma jovem empregada.

De Sica utiliza a história para debater sobre seu cenário e suas condições sociais. Gerando uma boa discussão sobre questões como pobreza, abandono de idosos e sociedade pós-guerra. Antes de tudo, é um filme atemporal, capaz de sensibilizar o mais frio ser humano, utilizando temas universais De Sica filma um roteiro devastador sobre velhice e solidão.

Filmado nas ruas de Roma e com muitos atores não profissionais, dentre eles o protagonista, o filme atinge um raro nível de verossimilhança e delicadeza. As cenas são fortes e tocantes, não perdendo sua relevância com o passar dos anos, o retrato que De Sica faz de um velho abandonado, até por seu país, é impressionante e comovente, como poucos filmes conseguem ser. “Umberto D” também possui a melhor representação de um cachorro na história do cinema. Honrando o título de “melhor amigo do homem”, Flick, parece ser a única coisa que provém felicidade a um individuo que não a conheceria através de pessoas.

(Alan Campos)

Zabriskie Point, Antonioni, 1970




A escolha de um filme como “Zabriskie Point” para debate não me parece ser um escolha nem um pouco fácil para o cineclube B.D. Muitos podem alegar o fato de ser um filme já muito comentado de um diretor considerado canônico na história do cinema moderno. Mas, para esses argumentos, que, por bem ou mal, são válidos, existe um contorno com a lembrança de que nenhum dos dois (filme e diretor), apesar de seu valor reconhecido, são unanimidades, tanto em sua época quanto hoje.

As discussões, mesmo que inúmeras e variadas, não esgotaram a obra de Antonioni, e, talvez nunca o façam, porque o objetivo (e principal valor) desse cineasta sempre foi a preocupação em valorizar a experiência individual do espectador, ou seja, seus filmes nunca foram feitos para todos, mas para cada um em particular. Trazer à mesa “Zabriskie Point” é sempre “ressignificar” e rever posições políticas, tanto no cinema e na vida de quem é contaminado por esse filme. Sim, Antonioni faz cinema de contaminação, onde personagem contamina personagem, que é contaminado por espaços físicos, que são contaminados por esses personagens, que contaminam espectador e assim vai... A doença de Antonioni não tem antídoto, mesmo para quem já é acostumado com alguns cacoetes estilísticos e temáticos que lhe são particulares.

Não quero nesse curto texto de apresentação enumerar características ou significados que me sejam particulares em “Zabriskie Point” ou em Antonioni, mas convidá-los a compartilhar conosco esta experiência e suas opiniões, e desejar que estas sejam as mais impressionistas possíveis.

(Guilherme Padilha)